Você já assistiu ao documentário “Buy Now! The Shopping Conspiracy”, do Netflix? Não quero dar spoilers, but we are f*cked… Se você é um profissional de moda, não é novidade para você que o lixo têxtil é um problema monstruoso da nossa indústria.
Desde que me tornei professora, tenho pesquisado muito sobre modelos de negócios sustentáveis na moda. Depois da Black Friday de 2023, fiquei obcecada pelas campanhas da Vestiaire Collective, uma plataforma de venda de produtos de segunda mão. Quando surgiu uma oportunidade de trabalho em grupo no mestrado para analisar a comunicação de uma marca de moda, aproveitei o momento para sugerir que analisássemos a Vestiaire Collective. Foi fácil convencer todo mundo, especialmente quando falei: é aquela empresa para a qual a Mindy, de Emily in Paris, vende o pink couture Chanel-esque mini dress.
Nossa professora comentou que, na visão dela, a Vestiaire Collective teve momentos de glória e só recebia elogios no passado, mas ultimamente eles têm recebido hate na internet por diversos fatores, e que esse seria um tema interessante para a nossa pesquisa.
Fiquei responsável por analisar a comunicação deles no Instagram.
De 2016 a 2019, a Vestiaire Collective usava muito a hashtag #BuySellShare, e o feed do IG era repleto de fotos inspiracionais e #aesthetic de viagens, comidas, looks e reposts de clientes (bateu a nostalgia aí dessa época do Instagram? Aqui bateu…). Depois de 2020, começaram a usar a hashtag #ThinkFirstBuySecond, falar mais sobre sustentabilidade, criar conteúdos educativos sobre como cuidar melhor das roupas, promover campanhas contra marcas de fast fashion e fazer parcerias com ativistas, como Venetia La Manna, e ONGs, como a The OR Foundation.
Apesar de o tópico "sustentabilidade" não ter sido usado no marketing da marca desde o início da empresa, eles sempre defenderam a ideia de “Qualidade vs. Quantidade” na hora de comprar roupas, reforçando ainda mais essa mensagem quando trocaram a hashtag #BuySellShare por #ThinkFirstBuySecond.
Minha análise de sentimento (Made do Data But Make it Fashion ficaria orgulhosa) mostrou que, quando a Vestiaire Collective começou a se posicionar contra marcas de fast fashion, o número de seguidores e o engajamento cresceu muito, mas, com isso, também aumentaram os comentários negativos. Alguns desses comentários diziam que “toda forma de consumo é ruim”. Eu entendo de onde essas pessoas estão vindo, mas considero que sustentabilidade vai além do meio ambiente e engloba sociedade e economia. Vejo que existem formas menos prejudiciais de consumir. Para mim, pensar de forma tão desesperançosa é como dizer: “todo trabalho é ruim 🤣”, mas de qualquer forma, você tem boletos para pagar, então por que não fazer essa experiência melhor?
A Vestiaire Collective promove a ideia de pensar antes de comprar, ao contrário da Amazon, que patenteou o botão de compre com um clique (mais um spoiler do documentário da Netflix, sorry). Mas, como essa newsletter é feita para profissionais de moda, acho importante refletirmos além dos hábitos de consumo e pensarmos antes de aplicar para quais empresas de moda queremos trabalhar.
Na última aula do Fashion Vocab Talks, convidei a Caroline Connor, designer escocesa que mora na Suécia há 24 anos, para compartilhar sua trajetória com os alunos. Uma das alunas perguntou qual conselho ela daria para quem quer trabalhar com moda em outro país. Caroline respondeu que é importante ter a seguinte estratégia: começar escolhendo o país que você acha atrativo e, em segundo lugar, escolher muito bem as empresas com base no que é importante para você e no que é inegociável. Em outras palavras: Qualidade acima de Quantidade.
Eu usei essa estratégia diversas vezes, uma foi quando escolhi o programa de mestrado que estou estudando hoje. Foco em sustentabilidade e inovação eram pontos muito importantes na minha busca pela instituição certa e, ao invés de aplicar para todos os programas possíveis, escolhi focar na instituição que mais tinha a ver comigo e com os meus valores.
Quando alguém me fala: “Eu apliquei para 200 empresas e não consegui emprego”, eu penso: “Você não aplicou do jeito certo”. Para começar: você realmente gostaria de trabalhar em todas essas 200 empresas para as quais aplicou? Segundo: você escreveu cartas de motivação apropriadas e personalizou seu currículo e portfólio? Terceiro: você entrou em contato com pessoas da empresa pelo LinkedIn ou usou outras formas criativas?
Assim como o custo por uso de uma peça de fast fashion pode ser muito mais alto que uma peça mais cara e com mais qualidade, aplicar ou entrar em contato com diversas empresas sem nenhuma estratégia e intencionalidade pode te tomar mais tempo, e tempo = dinheiro. Pense antes de aplicar. #ThinkBeforeYouApply.
A Marcela Citon, entrevistada do podcast dessa semana, também contou que usa essa estratégia para encontrar empresas parceiras. Ela é designer de estampas autônoma e trabalha com estúdios de estamparia mundo afora. Um dos estúdios parceiros foi resultado de um contato que ela fez na Première Vision, a maior feira de matéria-prima têxtil. A última feira teve no total 930 expositores. Imagine se ela decidisse entregar cartão de visita para TODOS os estúdios? Seria quase impossível; ela teria que sair correndo pela feira como se estivesse entregando jornal de bicicleta, e não teria criado uma conexão de valor com nenhum deles.
Como ela também preza por qualidade acima de quantidade, pesquisou antes da feira quais estúdios tinham a ver com o estilo de desenho dela e dedicou alguns minutos para conversar com os que ela realmente gostaria de trabalhar.
Quer ouvir o podcast completo? Clique no link abaixo:
Assim como nem todo mundo pode comprar as roupas de luxo da Vestiaire, entendo que nem todo mundo pode se dar ao luxo de escolher a dedo as empresas para as quais aplicar. Mas, se você está em uma fase mais confortável e tem a possibilidade de trabalhar em empresas que compartilham os mesmos valores que os seus, por que não? :)